“Importância de Opiniões Alternativas em Democracia”
Por Mari Alkatiri, Secretário Geral da FRETILIN
Dili, 24 Setembro de 2009 - Hotel Timor, 10:30 – 12:30
Senhoras e Senhores,
Aceitei o desafio de vir aqui falar de um tema sempre actual na vida das sociedades humanas. Talvez não me seja possível responder a todas as vossas expectativas. Desde já peço desculpas se houve da minha parte excesso de ousadia. Agradeço do Dr. Athul Kare e a UNMIT promoção deste Fórum que julgo ser útil para troca de opiniões e experiências nesta fase tão delicada da construção simultânea da nação e do Estado de Timor-Leste.
Na verdade, ninguém pode duvidar que o desenvolvimento das sociedades humanas sempre aconteceu ao longo dos tempos através da superação das diferenças de ideias, de opiniões, de posturas, de ideologias. A chave da evolução está na capacidade de análise e, fundamentalmente, de síntese dos actores envolvidos, assumindo-se como permanente a necessidade de adaptação social, assumida com responsabilidade e competência, discernimento e acutilância necessárias para que se saiba encontrar o equilíbrio entre o racional, o emocional, o espiritual e o mecânico.
Ao longo da história as diferenças muitas vezes desembocaram em conflitos e estes em crises. É na superação positiva destes conflitos e crises onde encontramos a passagem de um estágio menos desenvolvido de organização social para outro mais desenvolvido, moderno, contemporâneo. Pequenas comunidades se diluíram formando outras maiores, vezes sem conta como resultado de confrontos, conflitos, guerras traduzidas em conquistas, dominação. Categoricamente, grupos mais fortes sobrepõem-se aos mais fracos, subjugando-os, absorvendo-os. Assim, as velhas ordens social, política, económica e mesmo demográfica foram dando lugar a novas. Como exemplo, pereceram as tribos, os reinos. No seu lugar nasceram as Nações. As pequenas comunidades deram lugar a comunidades maiores.
Mas todas estas transformações fizeram-se assentes sobre causas que agitaram e mobilizaram milhões e que determinaram a construção de cumplicidades e de alianças das mais diversas, muitas vezes contranatura. O factor unificador é sempre a causa comum identificada e promovida em cada etapa do desenvolvimento social, político, económico, demográfico. Plataformas políticas de natureza táctica ou estratégica são sempre definidos em função dos objectivos a curto, médio e longo prazo. Ou mesmo definidos para a satisfação de ambições egoístas, dementes de algumas personalidades.
A nossa experiência recente de luta de resistência e pela afirmação e construção de um Estado independente é demonstradora desta realidade. Quando a independência nacional era causa comum, homens, mulheres e crianças se juntaram para resistir, sem olhar a sacrifícios. Vencemos, não obstante a desproporção das forças em confronto.
Uma vez restaurada a nossa Independência fizemos opções claras e estruturantes do tipo de Estado que queremos construir. Adoptamos uma Constituição da República moderna abraçando valores universais de democracia e dos direitos políticos, sociais e económicos. Decidimos avançar para a construção de um Estado Democrático e de Direito, tornando claro que todos os nossos actos devem estar em conformidade com a Constituição e as Leis.
A pedra de toque de uma sociedade democrática é o direito à diferença. O direito à diferença gera nas suas entranhas vários outros direitos, a saber: direito à vida, à liberdades, à livre expressão e informação, à segurança e integridade pessoal, à associação, à reunião, de oposição, de recusa a cumprir ordens ilegais, de manifestação, de opção pela prática religiosa e culto, à honra e privacidade, de filiação político-partidária, etc. No que toca a constituição do poder político, o direito à diferença abre caminho à alternância governativa determinada pelo voto popular em sufrágio universal, directo e secreto. Estes e mais outros são valores plasmados na Constituição da RDTL.
Como disse, as sociedades desenvolvem-se quando se superam de modo positivo as diferenças. Em democracia e Estado de direito a confrontação de ideias é sempre bem vinda. Num Estado onde o primado da lei é respeitado, devem ser criadas todas as condições para que as diferenças possam ser expressas livremente desde que respeitadas o quadro constitucional e legal existentes.
Um dos direitos previstos na nossa Constituição é o direito de petição (artigo 48) onde se torna claro que, “para a defesa dos direitos, da Constituição, das Leis ou do interesse geral” todo o cidadão, individual ou colectivamente “tem o direito de apresentar petições, queixas e reclamações” perante os órgãos de soberania ou quaisquer outras autoridades.
O exercício de direitos pelos cidadãos abre caminho para algum nível de participação dos mesmos no controle social e político, e contribui para condicionar o exercício do poder político.
Este factor condicionante é sempre de salutar se se quer imprimir uma dinâmica de boa governação e de transparência nos actos administrativos.
Em qualquer governação há medidas (políticas, programáticas, legislativas) que são estruturantes do Estado/Nação. Medidas desta natureza devem exigir maior inclusão política na sua adopção.
Vejamos, por exemplo, a exigência de dois terços de votos favoráveis na adopção ou revisão de uma Constituição da República. Qual será a razão por detrás desta exigência? Sem dúvida que é imperativo que uma Constituição da República, como lei fundamental na estruturação do Estado, deva reunir maior consenso possível. Todos os cidadãos devem rever-se na Constituição.
Quando a nossa Constituição determina que a eventual alteração da bandeira só se pode fazer por via do referendo popular, fica patente a preocupação do legislador constituinte em devolver ao povo a competência para decidir sobre algumas matérias de consenso nacional.
Só uma política de maior inclusão nas adopções de actos estruturantes do Estado pode garantir uma estabilidade governativa que transcende o ciclo normal de alternância democrática do poder de governar.
Questões como a exploração dos recursos naturais e a utilização das receitas deles provenientes exigem políticas e programas que ultrapassam às normais necessidades de simples cumprimento de promessas eleitorais, por várias razões: razão de justiça geracional, de equidade na distribuição da riqueza, de capacidade real de gestão e administração do Estado, da credibilidade do sistema de governação.
Em questões como estas todas as propostas e sugestões devem ser bem vindas. E que prevaleçam aquelas que garantam a sustentabilidade do desenvolvimento nacional.
Existem várias outras questões de natureza estruturante do Estado. Hoje fala-se muito de reformas. Fala-se ainda mais da reforma do sector de defesa e segurança. Da criação do poder local. Da Reforma da Justiça. Do sistema de gestão financeira e fiscal.
Para começar, num jovem Estado como o nosso, é errado pensar-se já em reformar. Estamos ainda na fase de estruturar. E o processo de estruturação de Estado não é simplesmente uma questão técnica. Nem tampouco só político. Muito menos político-partidário. É, para além de tudo isso, um processo profundamente cultural. E, querendo ou não, cultura é inseparável da história.
Este povo lutou vinte e quatro anos para conquistar a sua independência. Fê-lo para se libertar, para se sentir dono dos seus destinos. Para sentir que o Estado que criou não é um Estado opressor. Mas também não é um Estado sem autoridade. Quer ver a justiça feita. Quer um poder mais próximo dele mas que possa rever-se neste poder. Quer um sistema de defesa e segurança que lhe garanta maior segurança, que respeite os seus direitos. O povo recusa um sistema proibitivo da sua participação na vida política, económica e social. O povo não quer que “em nome do Estado” se decida contra os alicerces do Estado, se desrespeite a Constituição e as Leis, se comece a afirmar que há outros interesses acima da Constituição e das leis. Os cidadãos querem que o Estado funcione tendo como alicerces os quatro órgãos de soberania. E o interesse do Estado exige, em primeiro lugar, que cada Órgão de soberania saiba respeitar as competências próprias de outro. Respeito mútuo e solidariedade institucional são condição sine qua nom para a estabilidade política e governativa.
Não se deve pretender governar, discriminando, excluindo permanentemente o povo, ou parte do povo. Uma Governação democrática é um esforço permanente de incluir, de fazer participar, de saber receber ideias de todos os sectores da sociedade. Não se deve interpretar o voto dos cidadãos nas urnas ao eleger os seus representantes como um acto por si completo e finito. O povo quando escolhe alguém para governar país, fá-lo de boa fé porque acredita que a pessoa escolhida saberá permanentemente representá-lo, defendendo os seus direitos e interesses. Por isso, a democracia deve ser cada vez mais participativa. Ninguém pode ter a veleidade de pensar que decidir só em função das suas próprias e únicas convicções é o mesmo que decidir em defesa dos interesses do povo. Nem sempre isto é verdadeiro. Por isso, as opiniões diferentes têm a mesma legitimidade que qualquer outra. Não se deve, ab initio, rejeitá-las pelo simples facto de parecerem de procedência estranha.
Tenho dito.
Muito obrigado